A MotoGP encerrará em 2026 um jejum de 22 anos sem corridas no Brasil. A principal competição de motovelocidade do mundo voltará a ter uma etapa em Goiânia, palco de três provas na década de 80. A longa ausência da MotoGP em solo brasileiro contrasta com a rapidez com que as negociações foram realizadas para este aguardado retorno: apenas cinco meses. Por trás desta velocidade está um advogado entusiasta das motos. Mesmo sem cargos no governo estadual ou na Dorna Sports, empresa detentora dos direitos da MotoGP, Walmir Cunha se tornou o idealizador da volta da categoria ao Brasil.
Advogado especializado em Direito Empresarial e agronegócio, Cunha jamais trabalhou com motos ou competições. Mas é um fã da motovelocidade desde a infância. “Sou um apaixonado por motociclismo. Minha paixão vem de 1989, quando meu pai me levou na Praça Tamandaré, em Goiânia, para ver as motos esportivas. Me despertou uma grande emoção. Comecei a ver todas as corridas da MotoGP na TV”, conta o goiano, ao Estadão.
A história de Cunha com o retorno da categoria ao Brasil começou em fevereiro deste ano, atravessou o Oceano Atlântico para diversos contatos com a Dorna, sediada na Espanha, contou com reuniões em Portugal e na Holanda, inúmeras visitas à secretarias estaduais de Goiás e com o decisivo networking do advogado com empresários e autoridades espanholas.
“Eu estava pronto para ver a etapa da Argentina, em abril deste ano. Já tínhamos planejado, eu e um grupo de 17 amigos, que iríamos todos de moto de Goiânia”, diz Cunha, ao se referir aos 2.500 quilômetros que separam a capital goiana da cidade de Termas de Rio Hondo, no norte da Argentina. “Mas o (presidente argentino Javier) Milei decidiu cancelar o evento. E vi uma oportunidade de articular a volta do Brasil para a MotoGP porque o Mundial ficou sem uma etapa na América do Sul. E o único autódromo em condições é o de Goiânia, por causa das suas áreas de escapes maiores e a estrutura da cidade.”
O advogado, então, passou a mobilizar sua poderosa rede de contatos. O primeiro a ser acionado foi o espanhol Ángel Morales, também advogado e parceiro do brasileiro em negócios na Espanha. Cunha representa há 15 anos no Brasil uma família espanhola especializada em comercializar bebidas alcoólicas.
Com apoio de Morales, Cunha chegou até o diretor-executivo da Cámara de Comercio Brasil-España (CCBE), Antonio del Corro. A ajuda permitiu alcançar o primeiro grande objetivo da empreitada: chegar diretamente ao espanhol Carmelo Ezpeleta, o chefão da MotoGP, e seu filho, Carlos, um dos principais diretores da Dorna.
“Eu entendia que, para levar a ideia para o governador (Ronaldo Caiado), eu precisava ter tudo muito encaminhado, sem muitos intermediários. Construí uma ponte para que fosse possível levar o governo estadual para uma etapa para que entendessem a dimensão do negócio, a grandiosidade da MotoGP”, afirma Cunha.
A preocupação do advogado era de que os 15 milhões de euros (quase R$ 100 milhões), cobrados pela Dorna para os interessados em receber uma etapa do campeonato, não assustassem Caiado. Para agilizar a situação, o próprio advogado fez um esboço da carta de candidatura, antes mesmo de entrar em contato pela primeira vez com os secretários de Comércio, Esporte e Turismo de Goiás.
Ao mesmo tempo, encomendou um estudo ao Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos. “Levei as informações dos resultados econômicos da F-1 em São Paulo como comparativo. E encomendei um estudo que mostrasse a viabilidade da MotoGP em Goiânia. Fiz tudo isso por conta própria.”
Com estes documentos em mãos, Walmir Cunha atingiu o segundo grande objetivo: apresentou o projeto ao governador, que viu na MotoGP uma ótima despedida do seu segundo mandato à frente do governo estadual. Caiado (União Brasil) já escancarou sua intenção de concorrer à presidência na eleição de 2026. Com a aprovação, Cunha ganhou o status informal de “porta-voz” da candidatura goiana junto à MotoGP.
Entre março e julho, ele fez viagens para acompanhar as etapas de Portugal e Holanda. Participou de reuniões na sede da Dorna, em Madri, na companhia de membros do governo goiano. E ainda articulou uma visita de María? del Mar Fernández-Palacios Carmona?, embaixadora da Espanha no Brasil, a sede do governo estadual.
“A embaixadora queria conhecer o governador. Então, pedi ao governo para receber a missão. Veio a embaixadora da Espanha, o cônsul, o cônsul honorário e membros da comitiva da embaixada para o governador receber. E o assunto principal da reunião foi, claro, a MotoGP”, diz Cunha, satisfeito com a “missão cumprida”.
Promotora
O último passo desta busca foi encontrar uma empresa para ser a promotora do evento. Como é de costume em eventos de esportes a motor, são necessários três agentes para uma etapa ser realizada: o governo local, a empresa dona dos direitos do campeonato e a promotora do evento.
Inicialmente, Cunha procurou a Duas Rodas. Mas a parceria não avançou. E o evento acabou sendo abraçado pela Brasil Motorsport, empresa que promove o GP de São Paulo de F-1. Em entrevista ao Estadão, o CEO da empresa, Alan Adler, admitiu que a MotoGP era uma busca antiga em sua carreira profissional.
“Eu já venho namorando a MotoGP desde 2012, desde quando a gente lançou a IMX. Desde essa época, gostei demais do produto. Naquela época, eu ainda não imaginava que seria o promotor da F-1. Para mim, a MotoGP, porque não estava no Brasil, era a opção mais coerente em termos de evento de esporte a motor”, contou.
A favor da Brasil Motorsport pesou a relação entre o Grupo Mubadala, à qual a empresa brasileira pertence, e a Liberty Media, que detém os direitos da F-1 e que está em processo de aquisição da Dorna Sports – aguarda apenas a aprovação dos órgãos antitruste da Europa.
“Já viajei para eventos de MotoGP, já negociamos em outros momentos. Eu tenho conhecimento deste conteúdo. E um desejo de estar junto com a cidade e o governo que decidisse fazer. Quando eu visitei o governador, eu vi que era um projeto sério”, comentou Adler.
Velocidade no acerto
O que mais surpreende no acerto entre a Dorna e o governo estadual de Goiás foi a rapidez em que tudo aconteceu. Recentemente, cidades como Rio de Janeiro e Brasília tentaram emplacar uma etapa da MotoGP. Mas anos de negociações naufragaram, ampliando o jejum de corridas da categoria no Brasil.
No caso de Goiás, tudo foi encaminhado em apenas cinco meses, uma vez que a negociação formal entre o governo e a Dorna teve início em julho. No dia da assinatura oficial do acordo, no dia 12 deste mês, o próprio secretário-geral de governo, Adriano da Rocha Lima, admitiu que a última versão do contrato havia sido discutida e elaborada na madrugada anterior.
Walmir Cunha reconhece o próprio esforço para o resultado final, mas faz questão de enfatizar que nunca teve cargo no governo e nem nas entidades espanholas. “Minha relação com a Espanha é apenas profissional. Trabalho para empresários espanhóis, que têm negócios no Brasil. E fiz essa aproximação com a MotoGP por um ideal. Não tenho vínculo com o governo, não tenho contrato com ninguém.”
Além de não receber nada pelo acordo, nem comissão e nem participação futura, o advogado revelou seus gastos nos últimos meses. As viagens nacionais e internacionais, as diárias de hotel, transporte local e alimentação custaram cerca de R$ 150 mil. “Gastei, mas me diverti muito. Fiquei muito feliz. Foi muito bom estar ali no meio de tudo”, afirmou.
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